Futebol no sangue

Antonia, da seleção, vem de família boleira: 'em casa as mulheres que eram boas'

Beatriz Cesarini e Carolina Alberti Do UOL, em São Paulo Aitor Alcalde Colomer/Getty Images

Na família de Antonia, o futebol sempre foi delas. A atual lateral da seleção brasileira conta que os irmãos eram horríveis com a bola e ela acabou se tornando a parceira do pai nas arquibancadas e em peladas pelas ruas de Riacho de Santana, no interior do Rio Grande do Norte. Foi desta maneira que a família percebeu o talento da jovem e decidiu transformar a brincadeira em carreira.

Quando o pai tem o filho, há a expectativa de que o moleque seja jogador e não a menina. E na nossa família foi diferente. As meninas tinham essa paixão por futebol. Eu acredito que até hoje meu pai se orgulha muito disso, por saber que foi com ele que surgiu essa paixão minha pelo futebol".

Sem times femininos de futebol de campo, Antonia começou no futsal até conseguir uma brecha para fazer a transição à grama. Anos depois, ela conquistou uma vaga na seleção brasileira e vai representar o país na Copa do Mundo da Austrália e Nova Zelândia, que começa em 20 de julho.

Aitor Alcalde Colomer/Getty Images

O ponto principal que explica onde estou hoje é a minha família. Desde o início, eles me apoiaram. Fizeram vários sacrifícios por mim, viemos do interior do Rio Grande do Norte e meus pais percorreram o estado em busca desse sonho.

Antonia

Início no futsal

Praticar futsal na própria escola foi a alternativa para Antonia conseguir jogar bola com as meninas na cidade de Riacho da Santana, onde nasceu. Encontrar duas equipes com 11 mulheres cada era muito mais complicado do que dois times de cinco atletas, segundo a jovem. Enquanto isso, o pai dela correu para a capital Natal em busca de uma escolinha de base.

"Você precisa de menos meninas para ter o time de futsal. Então por isso é sempre muito mais fácil começar nessa modalidade. Na escola, a gente juntou cinco meninas, formou um time e fomos participar de torneios pelo estado", contou Antonia.

A jovem, então, colocou os holofotes em seu município — que tem cerca de 4 mil habitantes — ao participar dos Jogos Escolares do RN e recebeu um convite para atuar na equipe feminina de futsal do ABC, em Natal. Antonia despontou e foi para São Paulo, onde vestiu as camisas da Portuguesa e São Bernardo.

"O futsal é a minha paixão. Devo muito a esse esporte e tenho um carinho enorme. Acredito que muito do que eu sou hoje devo ao futsal. Fui ao campo com umas manias diferentes, aquele jeito de pisar na bola, por exemplo. E acredito que isso ajudou com que eu ganhasse notoriedade no campo", comentou a zagueira e lateral.

Roland Krivec/DeFodi Images via Getty Images Roland Krivec/DeFodi Images via Getty Images

'Não é para mulher'

Seria novidade falar que Antonia nunca sofreu qualquer tipo de ataque só porque é uma mulher que joga bola. Ela sempre precisava provar o talento para garantir a "permissão" para entrar na brincadeira dos moleques. Apesar disso, a jogadora da seleção celebra a evolução - a passos lentos - quanto aos pensamentos dos torcedores em relação ao futebol feminino.

"Infelizmente, toda mulher passa pelo preconceito por jogar bola. Sempre cai na mesma tecla de que 'não é para mulher'. E eu tinha essa dificuldade, até porque eu sempre jogava no meio dos meninos. Depois as coisas foram mudando, porque eles vão percebendo o talento e eu era melhor que eles. Aí o respeito vem vindo", disse.

"A gente vai tentando mudar a cabeça das pessoas. Hoje, graças a Deus, está melhor. Mas eu acredito que esse preconceito contra as mulheres está dentro da história de toda atleta, infelizmente", completou.

A curinga de Pia

Goleadora no futsal, Antonia virou zagueira quando migrou para os gramados. Na seleção brasileira, porém, ela assumiu a lateral-direita, onde consegue misturar o jogo rápido das quadras com os aprendizados do campo.

"No futsal, eu era muito mais no ataque, fazia muitos gols. Eu acredito que a lateral veio para encaixar mais com isso do futsal. Por eu estar mais no ataque, eu consigo fazer as coisas que eu fazia antes", contou a jogadora.

No que diz respeito à seleção brasileira, Antonia já foi de meio-campista a zagueira: "A minha primeira convocação foi como volante. Depois foram me colocando mais para trás, aí eu virei zagueira. De zagueira fizeram um teste na lateral. Hoje eu me considero muito mais lateral do que zagueira."

E a versatilidade foi um trunfo de Antonia rumo a realização do sonho de menina: disputar sua primeira Copa do Mundo.

A Pia [Sundhage, técnica da seleção brasileira], sempre deixou muito claro que gosta de atletas versáteis

Antonia

Thais Magalhães/CBF Thais Magalhães/CBF

Currículo de Pia e 'ar de respeito' por Marta

Enérgica e séria na beira do campo e em entrevistas coletivas, a técnica Pia Sundhage gosta mesmo é de uma resenha. Segundo Antonia, a sueca curte interagir e está sempre atenta às músicas e dancinhas que aparecem no vestiário.

E, entre uma brincadeira e outra, Pia aproveita para aprender novas palavras em português. A sueca, porém, já consegue se comunicar bem com as jogadoras.

"Ela fala bastante português. No vestiário, ela fala tudo em português", contou Antonia, que também se rendeu ao currículo vitorioso de Pia. A sueca levou a seleção feminina dos Estados Unidos ao bicampeonato olímpico (2008 e 2012) e foi vice-campeã mundial, também com as norte-americanas, em 2011.

Outra referência para as 'novatas' da seleção brasileira é Marta, e Antonia espera que o "ar de respeito" em torno da camisa 10 ajude o Brasil e chegar, pela primeira vez, ao topo do mundo.

"O nome da Marta é mundial. Quando ela está com a gente, é outro ar que passa para as outras seleções. Tem o ar de respeito por ser a Marta. E ela sempre procura passar tranquilidade para nós, vai ser muito importante poder ter ela com a gente", disse.

Cameron Spencer/Getty Images Cameron Spencer/Getty Images

A chance de construir a própria história

A seleção brasileira feminina levará, pela primeira vez em um Mundial, um escudo sem as cinco estrelas (que representam as conquistas masculinas em Copas), o que, para Antonia, significa "carregar o que é a sua história".

"Acho importante a gente carregar essa história. E, sem dúvida, é um incentivo a mais ver que não tem estrela, e colocar essa estrela no peito", opinou a zagueira, que vê o Brasil em condições de levantar a taça, por Marta e também pela história do futebol feminino verde-amarelo.

"Todo mundo está bem convicto de que a gente pode estar mais próximo de trazer esse título, e sem dúvida a Marta faz parte disso. É para o futebol feminino, para o Brasil. Nós merecemos esse título, por tudo que vem acontecendo. A gente vai fazer de tudo para trazer esse título para o Brasil, para ela [Marta] e para todo o povo brasileiro".

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